No último post falei que estava com visita brasileira aqui em casa. Minha visita é muito generosa e trouxe metade da mala com presentes, a maioria comestíveis. No meio dos presentes tinha chocolate da marca “Chokolah“, que eu não conhecia. Ganhamos duas barras, uma de chocolate puro e outra com castanhas, ambas com 62% de cacau. Achei o chocolate tão bom que decidi comentar aqui no blog, pois sei o quanto é difícil achar chocolate de qualidade e vegano no Brasil. Resolvi aproveitar o ensejo pra falar um pouco sobre esse manjar dos deuses que (quase) todo mundo adora, mas que nem todo mundo parece conhecer bem.

(As embalagens sofreram um pouco durante a viagem, por isso não estão mais tão bonitas). Quando publiquei a receita de passas cobertas com chocolate expliquei que usei um chocolate com 85% de cacau e um leitor (opa, Marcos!) perguntou: “Chocolate com 85% de cacau não vai leite não? (os 15% restantes não seriam ao leite?)”. Antes de me tornar vegana eu também não sabia como chocolate era feito e achava que sempre tinha leite. Hoje, depois de muita pesquisa e dezenas de tabletes degustados (tudo em nome da ciência), acabei aprendendo muito sobre o assunto, o que é curioso, pois não sou tão fã assim de chocolate. Aqui vai a minha resposta à pergunta de Marcos, com algumas informações adicionais. Acredito que essa explicação será útil aos que também não sabem o que tem, ou deveria ter, em uma barra de chocolate.

Teoricamente, somente chocolate “ao leite” tem leite. Parece óbvio, não? Todo chocolate meio amargo ou amargo (o que chamam de “dark chocolat” em inglês) deveria ser sem leite e a maioria realmente não tem (é aqui que as coisas se complicam). Chocolate se faz assim: os grãos de cacau são torrados e moídos, virando o que chamam de massa de cacau. Massa de cacau é composta por manteiga de cacau e cacau em pó. Essa massa é misturada com mais manteiga de cacau e açúcar. Isso é o que chamamos de chocolate. A porcentagem de cacau dos chocolates “dark” signfica a quantidade de cacau em pó do produto (ou “sólidos de cacau”). Chocolates de qualidade só terão esses três ingredientes: massa de cacau, manteiga de cacau e açúcar. Um tiquinho de lecitina de soja (emulsificante) e baunilha natural são tolerados, mas nada mais. Na foto abaixo vocês podem ver os ingredientes do chocolate “Chokolah” puro. Ele tem exatamente os cinco ingredientes que citei acima.

Chocolate ao leite é feito da mesma maneira, mas com a adição de leite condensado (às vezes leite em pó também). Por isso chocolate ao leite é mais claro e muito mais doce. Devido ao preço elevado da manteiga de cacau, a maioria dos chocolates encontrados nas prateleiras dos supermercados brasileiros  usam outros tipos de gorduras mais baratas, além de aromatizantes e outros ingredientes pouco naturais. A qualidade desses chocolates é muito inferior, claro, além de não serem veganos. O chocolate Nestlé Classic ao leite, por exemplo, tem: açúcar, cacau, leite em pó integral, gordura vegetal, lactose, gordura anidra de leite, emulsificantes lecitina de soja e ricinoleato de glicerila e aromatizante. E ainda por cima CONTÉM GLÚTEN! (Fonte site Nestlé). Além do ingrediente principal ser açúcar (listas de ingredientes sempre aparecem em ordem decrescente, ou seja, o primeiro ingrediente da lista é sempre o que foi usado em maiores quantidades), esse chocolate não tem nem um grama de manteiga de cacau (mas tem gordura de leite, vegetal e até o obscuro ricinoleato de glicerila)! Pela legislação europeia isso nem seria considerado “chocolate”, pois pra ter o direito de ser chamado assim o produto precisa ter manteiga de cacau e no máximo 5% de outras gorduras.

Ingredientes de um chocolate do Luxemburgo: manteiga de cacau, açúcar, massa de cacau. Emulsificante: lecitina de soja. 70% de cacau

Pior ainda são barrinhas de “chocolate” recheadas, caramelizadas etc. Já sabia que essas confecções não eram veganas, mas confesso que não pude não ficar assustada com a lista de ingredientes de uma dessas barrinhas doces que eu adorava quando criança. Com vocês, a composição do Chokito: açúcar, leite condensado, xarope de glicose, cacau, flocos de arroz, leite em pó integral, soro de leite em pó, açúcar invertido, gordura vegetal hidrogenada, sal, umectante glicerol, estabilizantes lecitina de soja e ricinoleato de glicerila, aromatizantes. Também contém Glúten. Os três primeiros ingredientes são açúcar (e tem mais um quarto tipo de açúcar na lista) e ainda tem a terrível gordura vegetal hidrogenada (trans) e o estranho ricinoleato de glicerila (que deve ser tão terrível quanto). Quando a gente cresce achando que isso é chocolate, é normal achar chocolate de verdade ruim. Lembro que um dia ofereci um pedaço de chocolate suíço com 70% de cacau pra uma das minhas sobrinhas dizendo “isso é que é chocolate de verdade” e ela comeu fazendo careta e declarou “prefiro chocolate de mentira”.

Resumindo: chocolate é feito com grãos de cacau e açúcar. Chocolate ao leite é feito com grãos de cacau, açúcar e leite. Infelizmente no Brasil a divisão não é tão clara e alguns chocolates “meio amargo” têm leite. O Nestlé Classic meio amargo, por exemplo, tem: açúcar, cacau, leite em pó integral, gordura vegetal, emulsificantes lecitina de soja e ricinoleato de glicerila e aromatizante. Mais uma vez o leite apareceu e a manteiga de cacau ficou de fora.

Na Europa é muito mais fácil achar chocolate sem leite, pois a divisão ao leite/amargo costuma ser respeitada (com raras exceções). Felizmente algumas empresas brasileiras estão investindo em chocolate de qualidade, feito com manteiga de cacau (e nenhum outro tipo de gordura) e com uma alta concentração em cacau (mais de 60%). Depois de ter lido esse texto, espero que você tenha entendido que chocolate de qualidade é sempre vegano. Alguns especialistas do chocolate toleram o chocolate ao leite, mas somente se a porcentagem de cacau for no mínimo de 30% (40% é ideal). Mas esse tipo de chocolate, claro, nunca é vegano.

O que me deixou mais feliz ao descobrir a marca Chokolah foi que além do chocolate ser delicioso (forte em cacau e não muito doce, exatamente como eu gosto) eles  são muito responsáveis em matéria de meio ambiente. Aqui vai uma passagem de um texto explicativo sobre a empresa (achado nesse site):

Fabricamos nosso próprio chocolate a partir de amêndoas 100% orgânicas, da variedade Híbrido Trinitário, e de uma só procedência: do Brasil. Cada etapa da produção é minuciosamente trabalhada para obtermos o melhor do fruto. Nosso cacau é cultivado á sombra da floresta, mantendo preservada a Mata Atlântica. O manejo adequado do solo e a não utilização de insumos agroquímicos, como pesticidas e fertilizantes, mantém o equilíbrio do Meio Ambiente. A CHoKolaH possui ainda plano de reciclagem de resíduos e estação de tratamento de efluentes.

O que pedir mais? Só achei que o chocolate, embora delicioso e com uma agradável nota levemente refrescante (não tem menta nos ingredientes, então suponho que essa é uma característica da variedade de amêndoas de cacau utilizadas), derrete de maneira um tiquinho menos macia e aveludada do que os chocolates europeus que tenho costume de comer. Imagino que seja porque os chocolates europeus têm um pouco mais de manteiga de cacau, como podemos ver quando comparamos os ingredientes do chocolate da Chokolah e o chocolate do Luxemburgo mostrados nas fotos acima, mas como não sou uma expert no assunto,  posso estar enganada.

Onde encontrar: vi que é possível comprar chocolate da marca Chokolah no site Guia Vegano. Se você souber onde encontrar esse chocolate em sua cidade, seja generoso com seus conterrâneos e deixe um comentário contando. E se vocês conhecerem outros chocolates veganos de qualidade no Brasil, por favor dividam comigo. (Leitores portugueses, acredito que aí é bem mais fácil encontrar chocolates amargos veganos, mas me corrijam se eu estiver errada).