Ensopado marinho

Outro dia eu estava conversando com uma amiga vegana sobre os diferentes tipos de pratos de origem animal que já provamos. Parece absurdo duas veganas ter esse tipo de conversa mas estávamos jantando e minha amiga comia o paté defumado que eu tinha acabado de fazer. Ela nunca provou paté de origem animal e disse “Você tem sorte de já ter provado todas essas coisas. Agora você pode fazer versões vegetais de tudo e saber se o gosto se aproxima do original ou não.”

Se eu fizesse a lista de tudo que comi durante meu passado onívoro algumas pessoas ficariam chocadas. De gia (sapo) a avestruz, passando por javali e escargot (as lesmas gordas que os franceses adoram), eu provei um pouco de tudo. As iguarias mais refinadas, como fois gras e caviar, e as mais humildes, como buchada e tripa, visitaram meu prato. Não que eu tenha sido uma uma grande apreciadora de carne mas minha curiosidade gastronômica me levou a experimentar as mais variadas comidas. Porém a idéia de recriá-las em versão vegetal me parece absurda. Quem teria vontade de comer lesma vegana? Como já disse, nunca fui uma grande fã de carne logo os substitutos vegetais da mesma não me interessam muito. Uma vez comprei uma lata de “carne de pato vegetal” em um supermecado chinês em Nova York movida unicamente pela velha curiosidade gastronômica. Os chineses inventaram muitos tipos de carne vegetal pensando em variar o cardápio de seus monges budistas, que são vegetarianos. O negócio era tão realístico (até a pele do pato eles imitaram) que me deu náuseas e não consegui ir além da segunda garfada.

A pergunta que me fazem quando falo sobre tudo o que comi antes de virar vegana é sempre a mesma: “Não sente falta?”. Embora alguns pratos tenham deixado uma lembrança mais agradável que outros (quem, em sua sã consciencia, consegue apreciar buchada?), não sinto falta nenhuma do “bicho morto”.  Sempre fico triste quando escuto alguém dizer que nunca poderia ser vegetariano porque gosta demais de carne. Se isso fosse verdade só quem não gostasse de carne poderia ser vegetariano e sabemos muito bem que as pessoas se tornam vegetarianas por outras razões. A verdade é que se você parar de comer algo, depois de um certo tempo a vontade de comer aquela coisa passa completamente. Hoje fico enjoada quando sinto cheiro de carne ou frango assando. Porém tem um bichinho morto que de vez em quando atravessa meus pensamentos: peixe. Não sinto exatamente falta do gosto dele mas tendo nascido no litoral sinto falta dos pratos à base de peixe, preparados com muito leite de coco e coentro, como ensopados, caldos e moquecas. Por isso comecei a desenvolver receitas usando esses ingredientes e que tivessem um leve gosto marinho mas não quero cair no excesso mórbido de imitar o bichinho (ainda estou traumatizada pelo pato chinês).

Quero dividir com vocês o primeiro prato marinho que criei, que acontece de ser a mais popular de todas as minhas invenções até hoje. Me inspirei de uma receita que achei na internet há muito tempo atrás mas que tinha ovos. Só me lembrava do ingrediente principal e dos ovos e tive que construir a receita do zero, usando os ingredientes que usaria se estivesse fazendo um prato à base de peixe. Eu tinha minhas dúvidas quanto ao sucesso da receita, afinal o ingrediente que substitui o peixe é nada menos que repolho. Minha mãe costumava preparar merluza desfiada com repolho, pra render mais, e lembro que era uma delícia. Mas como o danado do repolho sozinho ia ficar bom? Acertei a receita logo de primeira, uma coisa rara na minha cozinha, e impressionei todos os que a provaram, principalmente os não vegetarianos. Se quiserem saber se tem gosto de peixe mesmo a resposta é “mais ou menos”. Embora o sabor se aproxime um pouco, não dá pra enganar ninguém dizendo que é peixe (embora meu irmão do meio tenha pensado que era carangueijo na primeira vez que provou) mas o gosto é tão bom que ninguém vai se importar. A primeira pessoa que provou esse prato foi minha mãe e quando perguntei se tinha gosto de peixe ela respondeu “Tem gosto de coisa deliciosa”. Pra mim é suficiente. Não conte aos seus convidados que o prato é a base de repolho, peça pra eles adivinharem o que estão comendo. Já servi esse prato dezenas de vezes e nunca ninguém adivinhou qual era o ingrediente principal.

Ensopado marinho

O segredo aqui é cortar o repolho o mais fino possível. Se você tiver um processador esta é uma ótima ocasião pra usá-lo. Caso não tenha um, como eu, com uma faca amolada e paciência você consegue o mesmo resultado. Comece cortanto fatias finíssimas do repolho, em seguida, trabalhando com dois punhados de repolho por vez, segure a faca com uma mão e com a palma da outra mantenha a ponta da lâmina contra a táboa (isso dá estabilidade) e faça movimentos de cima pra baixo e da da esquerda pra direita, até ficar tudo bem miudinho.

1 cebola grande picada

1 pimentão verde em tirinhas

3 dentes de alho picados

300g de repolho branco picado o mais fino possível

2 tomates picados

1 cubo de caldo de legumes

200ml de leite de coco

2 punhados de coentro picado grosseiramente

1 punhado de castanha de caju, de preferência de molho por pelo menos 4 horas

1 x de água

1 cc de maizena

azeite, sal e pimenta do reino a gosto

coentro e fatias de limão pra decorar

Em uma panela de fundo grosso, refogue a cebola e o pimentão no azeite até a cebola ficar transparente. Junte o alho e  o repolho, refogue durante alguns segundos, tampe e deixe cozinhar de 5 a 10 minutos, mexendo de vez em quando, até o repolho dourar ligeiramente. Junte os tomates, o caldo de legumes, o leite de coco e o coentro e mexa bem. Tampe e deixe cozinhar em fogo baixo até o repolho ficar bem macio. Enquanto isso prepare o creme de castanha, que  substituirá o creme de leite (confie em mim, o gosto de castanha desaparece completamente e a conscistência fica idêntica à  do creme de leite). No liquidificador bata as castanhas, a água, a maizena e 1/4 de cc de sal até as castanhas se desfazerem completamente (esfregue um pouco do creme entre os dedos: você não deve sentir pedacinhos de castanhas). Junte o creme ao repolho cozido e, ainda no fogo baixo, mexa com uma colher de pau até engrossar. Prove o sal, junte um pouco de pimenta do reino e desligue o fogo. Sirva com arroz, decorado com fatias de limão e galhinhos de coentro (na foto decorei com cebolinha verde pois não tinha mais coentro). Serve 4.