polenta ultra cremosa com couve flor 1

Quando publiquei a lista dos melhores posts de 2012 fiz uma pequena retrospectiva dos projetos interessantes que realizei no ano que passou e dos que ainda estão “em obras”, como o livro com receitas vegetais inéditas que comecei a escrever no final de 2011. Desde que anunciei esse projeto, várias pessoas falaram que estavam esperando ansiosamente pelo livro, por isso preciso contar pra vocês algo que venho guardando desde novembro: não haverá mais livro.

Em março de 2012 expliquei o quanto estava sendo custoso escrever esse livro (dificuldades pra encontrar ingredientes brasileiros aqui, penúria de alguns vegetais, que só aparecem na feira durante algumas semanas no ano, problemas com minha máquina fotográfica…) e depois de lutar durante os meses que seguiram pra contornar essas dificuldades, percebi que seria impossível terminar o livro. Aqui vão partes do e-mail que enviei em novembro explicando a situação pra minha editora:

 “Passei o ano tentando realizar um dos meus maiores sonho: escrever um livro de receitas vegetais. Mas depois de meses e meses lutando contra as adversidades e tentando achar tempo pra dar forma a esse projeto, decidi abandona-lo. Entre o trabalho voluntário no campo de refugiados, as obrigações com a ONG que me deu o visto de trabalho pra poder continuar morando aqui, os artigos sobre a Palestina que escrevo de vez em quando e as constantes tentativas de ganhar algum dinheiro pra poder pagar minhas despesas (aulas de francês, restaurante na minha casa, aulas de culinária, traduções), preciso admitir que no momento é impossível achar o tempo necessário pra me dedicar ao livro. (E nem contei as muitas horas necessárias, todas as semanas, pra escrever esse blog.)

Outra dificuldade imensa que me fez jogar a toalha: no desenvolvimento e teste de receitas preciso, além de tempo, de um investimento financeiro considerável. Entre a ideia/inspiração pra uma receita e o momento em que posso passar a versão final pro papel, preciso testa-las várias vezes, o que significa estar sempre comprando ingredientes. Faz cinco anos que trabalho como voluntária na Palestina e atualmente os poucos recursos financeiros que ainda tenho não são suficientes nem pra cobrir minhas despesas aqui, imagine então comprar todos esses ingredientes, de novo e de novo!

Mas a razão principal que me fez abandonar a ideia de escrever o livro, depois de ter trabalhado tantos meses, e ter terminado uma parte dele, foi a seguinte. Esse é provavelmente meu último ano aqui na Palestina (questão de visto) e o projeto de mulheres no campo de refugiados precisa, mais do que nunca, do meu trabalho. Percebi que se eu passar meu último ano escrevendo um livro de receitas ao invés de investir todo o meu tempo e energia consolidando o projeto no campo, vou me arrepender amargamente. Esse livro, esse sonho, pode ser realizado mais tarde, de qualquer lugar do mundo. O trabalho que faço aqui com as mulheres refugiadas só pode, e deve, ser feito agora.

Então foi isso. Faltou-me tempo e dinheiro e, o que mais pesou na minha decisão, continuar o livro significaria abandonar o projeto no campo, o que o meu coração se recusou a aceitar. Passei semanas dividida entre os dois projetos, sem saber o que fazer, escutando o anjinho e o diabinho discutirem sobre os meus ombros. O diabinho me dizia: “Criatura, você tem 31 anos, zero salário e zero economia no banco! Está na hora de começar a pensar no futuro. Você acha que vai poder viver de amor e hummus o resto da vida? Quando você vai começar a ser responsável e usar seu tempo e energia pra fazer projetos que tragam algum dinheiro, ao invés de gastar o que não tem trabalhando de graça pra todo mundo?”. Mas eu acabei escutando o anjinho, que durante todo esse tempo me dizia pra seguir o meu coração, pois quando a gente faz o que acredita ser o certo (do ponto de vista ético, não financeiro) a vida toma conta do resto.

Claro que minha motivação pra escrever esse livro era, antes de tudo, ajudar pessoas a se alimentarem melhor, e não rechear minha conta bancária (quem fica rico escrevendo livro? E livro de receitas vegetais, ainda por cima!!!), mas sinto que, no momento, serei muito mais útil trabalhando por aqui. E o Papacapim continuará cheio de receitas vegetais saborosas e dicas de alimentação que, espero, continuarão ajudando quem precisa.

Uma consolação pra quem estava aguardando a publicação do livro: algumas das receitas que apareceriam no livro serão publicadas aqui no blog. Fui extremamente rigorosa no processo de seleção, então podem ter certeza que elas não vão decepcionar. Como essa joia de receita abaixo.

Eu já publiquei minha receita de polenta básica aqui e a receita de polenta com milho fresco, mais especial, aqui. Mas a polenta de hoje é totalmente diferente dessas duas. Ela começa como a polenta básica, mas depois de cozida ganha uma cremosidade obscena e uma delicadeza de sabor, coisa que eu imaginava só poder ser alcançada com inúmeras colheradas de manteiga, graças a um ingrediente secreto: hummus.

polenta ultra cremosa

A ideia inusitada de acrescentar hummus à polenta cozida me apareceu subitamente: “Hummus! Polenta! Isso!!!” (tapa na testa). Mas não estava totalmente convencida até colocar a primeira colherada na boca. Uau! Eu tinha descoberto a polenta com P maiúsculo. Como disse mais acima, o hummus deu a essa receita a cremosidade que faltava à minha receita básica (feita com azeite no lugar da manteiga) e transformou esse prato simplório em algo tão delicioso que, mesmo com o estômago já cheio, eu não conseguia parar de comer. Além do hummus ter elevado o sabor da polenta, realçando o gosto ao invés de muda-lo, ele aumentou a quantidade de proteína e cálcio do prato. Sempre achei polenta um prato nutricionalmente “fraquinho” (por isso gosto de servi-la com feijão), então o hummus (feito com grão de bico e gergelim) aumentou um pouco a quantidade de nutrientes.

A estrela aqui é a polenta e eu poderia comê-la sozinha a qualquer hora do dia. Incluí couve-flor assada na receita pra acrescentar mais variedade (de sabor e textura) ao prato, mas você pode usar o legume que preferir. Já servi essa receita com espinafre refogado (só com alho, sal e um fio de azeite) e também ficou uma delícia.

E assim vou continuar vivendo de amor e hummus o máximo de tempo que puder.

polenta ultra cremosa com couve flor 2

Polenta ultra cremosa com couve-flor assada

Como expliquei na receita de polenta cremosa com feijão, gosto de usar fubá do tipo flocão, pois cozinha mais rápido e deixa a polenta mais macia. Você pode usar farinha de milho pra polenta, mas provavelmente precisará de mais água e tempo pra cozinhar. Deixar o fubá ou a farinha de milho de molho durante meia hora também encurta o tempo de cozimento. Sugiro couve-flor assada pra acompanhar a polenta, mas você pode usar o legume que mais gostar (espinfre e brócolis são ótimos aqui), o molho de berinjela da receita de polenta com milho fresco ou, se preferir uma refeição mais robusta, acompanhe a polenta de bolinhos de feijão ou lentilha (como esses aqui).

1/3x de fubá do tipo ‘flocão’

2cs generosas de hummus (veja a receita aqui)

4x de couve-flor, cortada em pedaços pequenos

Um punhadinho de coentro ou salsinha

Azeite

Sal e pimenta do reino a gosto

Cubra o fubá com água (só o suficiente pra cobrir os flocos) e deixe descansar meia hora. Coloque os pedaços de couve-flor em uma travessa untada com um fio de azeite, regue com mais um pouco de azeite e salgue a gosto. Asse em forno alto até ficar dourada. Enquanto isso, prepare a polenta. Despeje o fubá (que estava de molho) em uma panela pequena e acrescente 1 1/2x de água. Junte uma pitada generosa de sal e cozinhe em fogo baixo, coberto e mexendo de vez em quando, até os flocos ficarem extremamente macios e com a consistência de um mingau espesso. Desligue o fogo e deixe a polenta repousar, coberta, durante cinco minutos. Junte o hummus, mais uma pitada de sal e pimenta do reino a gosto e misture bem. Prove e corrija o tempero. Sirva a polenta em pratos fundos, coberta com a couve-flor assada e polvilhada com a erva picada e mais pimenta do reino, se quiser. Rende 2 porções.

*Pra complementar a refeição sirva a polenta com uma salada cheia de folhas verdes e alguns legumes crus. E pra aumentar a quantidade de proteína do prato, acompanhe a polenta de bolinhos de feijão, como indiquei mais acima ou, uma opção mais simples, de grão de bico cozido e temperado com sal, pimenta, limão e azeite.