Eu tenho uma amiga vegana que sofre bullying da parte de um casal de amigos onívoros. Eles não só fazem piadas o tempo todo sobre a alimentação da minha amiga, como ainda incentivam os três filhos a fazer o mesmo. Minha amiga conta que já aconteceu dela levar um prato vegano quando vai jantar com essa família e quando todos sentaram à mesa os pais apontaram pra comida da minha amiga e, fazendo uma careta de nojo, disseram pras crianças: “Algum de vocês quer comida vegana? Eca!”. E as crianças repetem o “eeeeca!” em coro.
Além de ser uma tremenda falta de respeito (e de classe), essa atitude é totalmente ridícula, pois boa parte do que eles comem no dia a dia é vegano: o pão, o hummus, o arroz, o macarrão com molho de tomate e os morangos que as crianças adoram… tudo vegano! Não me surpreende o fato das crianças não comerem nenhum legume e só aceitarem dois ou três tipos de frutas. Crianças aprendem imitando os pais e se os pais tratam comida vegetal com tanto desprezo, elas farão o mesmo.
A ironia é que essa família tem um jardim lindo onde eles cultivam vários legumes. Os pais até comem alguns, mas as crianças rejeitam quase tudo. Eles acabam presenteando os legumes do jardim pros amigos e já tive a sorte de receber alguns sacos recheados dessas delícias orgânicas. A casa onde eles moram pertence a uma família palestina e eles ainda cultivam seus legumes em dois terços do jardim. O filho deles, Benji, é o expert em cultivo orgânico e acabamos ficando amigos. Pelo menos a família palestina come tudo que planta.
Minha amiga teve então uma super ideia. Pra aproveitar os legumes de inverno, que estão prontos pra serem colhidos, e pra mostrar a essa família o quanto comida vegana pode ser deliciosa, ela me pediu pra fazer um jantar orgânico pra eles usando os frutos do jardim. Também convidamos Benji, outro onívoro, mas que tem muita curiosidade em provar meus quitutes vegetais (ele me pediu várias vezes pra ensina-lo a fazer alguns pratos vegs). Então antes de ontem eu acompanhei Benji enquanto ele colhia os legumes mais bonitos do jardim, trouxe tudo pra casa e comecei a bolar um cardápio usando aquelas belezuras (um jardim cheio de legumes orgânicos é a minha Disney). E ontem nós todos (Benji, minha amiga, o casal de amigos com os três filhos e eu) nos reunimos aqui em casa pra devorar minhas criações.
Confesso que estava muito apreensiva. Eu tenho costume de preparar jantares pra onívoros e até hoje nunca ninguém saiu falando mal da minha comida. Quando cozinho pra não-vegs que nunca comeram comida vegana (na verdade que acham que nunca comeram comida vegana, pois todo mundo come pão, arroz, saladas etc.) procuro servir algo familiar, nada muito ‘exótico’ (tofu e queijo de castanha estão fora de cogitação), mas ao mesmo tempo original e interessante. Essa fórmula tem dado certo, pois o feedback é sempre positivo. Mas crianças onívoras que detestam legumes e acham que comida vegana é ‘eca’? Foi a primeira vez que recebi convidados do tipo. Pra minha grande surpresa tudo correu maravilhosamente bem.
O cardápio era composto de creme de brócolis, macarrão com couve-flor assada, tomate seco e molho cremoso de nozes, couve-de-bruxelas e cebolinhas caramelizadas e, de sobremesa, cheesecake de mação com caramelo salgado. As crianças (5, 8 e 12 anos) não estavam tão animadas quanto os adultos, claro, mas provaram tudo sem reclamar e sem fazer careta. Houve até alguns elogios da ala infantil: a menina do meio adorou a sopa e o menino mais velho disse que o macarrão estava muito bom. Certo, eles não tocaram na couve-de-bruxelas, mas esse é um legume difícil e eu conheço muito adulto que faria a mesma coisa. Mas o que mais me surpreendeu foi ver a meninada tomando… suco verde!
Benji me deu uma braçada de acelga verde e folhas de beterraba. Como o cardápio não comportaria uma salada, resolvi fazer um suco verde pra mostrar uma maneira diferente de consumir folhas verdes. Usei pepinos, bastante maçã (pra ficar mais docinho), um buquê de hortelã, suco de limão e a acelga junto com as folhas de beterraba. Pensei que os adultos diriam “Um… interessante” e que as crianças gritariam horrorizadas quando vissem aquele líquido verde, mas todos acharam uma delícia e a menina caçula pediu até pra repetir. Claro que eu só disse o que tinha no suco depois que todos os copos estavam vazios e aí sim as crianças se horrorizaram, mas era tarde demais: as barriguinhas delas já estavam cheias de vitaminas e minerais.
Minha amiga passou aqui de manhã e juntas tentamos analisar o ocorrido (ela ficou tão surpresa quanto eu). Como eu disse mais acima, crianças aprendem imitando os pais e ao vê-los comendo algo com entusiasmo acabam ficando com vontade de provar. Mas acho que minha atitude ao servir a comida pra eles também ajudou. Minha amiga contou que o casal de amigos sempre faz o maior estardalhaço quando cozinha legumes em casa, anunciando aos quatro ventos que terá X (brócolis, couve-flor…) no jantar e que as crianças terão que comer todo o conteúdo do prato. Eu entregava os pratos pras crianças de maneira natural, sem fazer alarde dos ingredientes e até usei um pouco de psicologia inversa em alguns momentos (“Eu sei que você não é fã de brócolis, então não se sinta obrigada a comer essa sopa. Aliás se você não quiser, ótimo, pois vai sobrar mais pra mim!”). Quando a caçula me pediu um copo de leite pra acompanhar a sobremesa (essa família é franco-suíça e o leite ocupa um papel enorme na dieta deles) a mãe disse “Não tem leite nessa casa”, mas eu falei “Na verdade eu tenho um restinho de leite na geladeira, sim. Você quer?” E como ela aceitou, servi um copo do meu leite de amêndoas gelado, sem dizer que aquele leite era ‘diferente’, e não é que a menina engoliu tudo sem fazer um comentário? Foi pra casa sem saber que tinha tomado leite de amêndoas…
Eu sei que o fato de ser uma ocasião única e das crianças estarem fora de casa contribuiu muito pro sucesso do jantar, mas não posso não me sentir feliz por ter conseguido fazer a turminha vegetofóbica comer, em uma noite, mais vegetais do que eles comem em um mês. (Na verdade o medo irracional de vegetais se chama ‘lachanofobia’, mas lachanofóbico é uma palavra tão esdrúxula que não consigo utiliza-la.)
E minha amiga, que pegou carona com a família pra ir pra casa depois do jantar, me contou toda animada que os pais ficaram muito impressionados com a minha comida e que falaram em comprar um liquidificador pra fazer “aquele creme de castanha delicioso que ela colocou na sopa de brócolis”. Um triunfo em todos os sentidos!
Creme de brócolis
Essa sopa extremamente simples é absolutamente deliciosa, além de ser uma entrada leve e elegante. Se você gosta de brócolis, com certeza vai adorar essa receita.
600g de brócolis, cortado em pedaços pequenos (use os buquês e o talo)
1 cebola grande, picada
3 dentes de alho, picados
1 caldo de legumes sem conservantes (veja alternativas nesse post)
2cs de azeite
Sal e pimenta do reino
1/2x de castanhas de caju, de molho por 8 horas
Aqueça 1cs de azeite e doure a cebola. Junte o alho e deixe cozinhar mais 30 segundos. Acrescente 500g de brócolis picado (reserve os 100g restantes) e refogue durante 3 minutos (só o suficiente pra ele ganhar uma cor mais intensa e começar a dourar em alguns pontos). Junte o caldo de legumes e 700ml de água. Quando começar a ferver, baixe o fogo e deixe cozinhar coberto até o brócolis ficar bem macio. Deixe a sopa esfriar um pouco. Transfira a sopa morna e as castanhas escorridas (descarte a água) pro liquidificador e triture até ficar bem cremoso e sem nenhum pedacinho de castanha inteiro (esfregue um pouco da sopa entre os dedos pra testar). Coloque de volta na panela onde a sopa cozinhou, tempere com um pouco de pimenta do reino (melhor se for moída na hora), prove e corrija o sal, se necessário. Na hora de servir aqueça o resto do azeite e refogue o brócolis reservado até ficar ligeiramente dourado, mas ainda crocante. Sirva esse creme em cumbucas pequenas, decoradas com o brócolis refogado. Rende 4-6 porções como entrada (dependendo do tamanho das porções).
*Pra complementar a refeição: Sirvo essa sopa como entrada, mas se quiser transforma-la em um prato principal, acompanhe de fatias de pão integral com cereais e hummus (ou outro patê à base de leguminosas, como esse aqui).